quinta-feira, setembro 21, 2006

Porque Macau nao foge para Nova Iorque nem para Lisboa

Passam os anos, e temos a mania de criar efemérides a despropósito, como se fosse necessário manter acesas as memórias que nos polvilham o coração de açucar e sal. Sigo a regra insconsciente, só que mais um ano ao serviço não sei de quem, só traz à pele a carta que nunca recebi. Sigam-se os dias! Aqui e aí.

Ainda bem que encontraste a fotografia de New York que tinha desaparecido. Consegui descortinar-nos lá, a patinarmos um contra o outro, desequilibradamente, as mãos estão dadas e caímos juntos sem que ninguém nos acuda, trambolhão vertiginoso – já não sei se foi na tal curva em que os nossos olhos derraparam ou no labirinto em que as tuas palavras me perderam - a minha alma estonteada do gelo que sabes quebrar, o corpo sulcado pela tua pele arrepiada e o coração descompassado dos teus volteios. Recordo-me bem do gorro que voou dos teus cabelos para poderes sentir as carícias dos meus dedos e dos teus óculos que os meus olhos não viam para sempre verem os teus, suplicantes e desconcertantes, um castanho desmesurado a gritar por mim, e eu surdo de medo, a loucura muito americana e de todos lugares, em como gritamos a nossa cumplicidade aqueles arranha-céus e recordas-te que não apareceu nenhum telemóvel a tocar, nem o homem a bater à porta (dormiste sem sonhos maus), antes o brinde à paixão do homem do saxofone. Arte efémera. Paixão perene? Recordo-me da tua respiração ofegante, de me arrastares na corrida, de lançares as tuas pernas para a minha cintura, os teus braços para o meu pescoço e, ao meu colo e dentro de mim, deslizarmos pela pista assim, num longo beijo que acabou como tinha de ser, estatelados no chão, a ouvir os assobios dos outros, celebrando o nosso estado de graça. Tu não te acreditavas que eu soubesse patinar no gelo. Mas é verdade. Digo-te que vou tentar patinar melhor no teu corpo. E tu ris. E ris-te durante uns segundos e sorriste o tempo todo, sorriste toda inteira e solta, seduzida, sedutora, sedenta, seviciando-me com toda a força do teu enleio. Não sei se isto é presunção ou imagens que o tempo vai retocando, mas parecias feliz. Estavas feliz Maria de Fátima ? (Agora eu sei que deves estar de novo a rir-te ...). Fomos depois jantar a Greenvillage, as nossa mãos dadas fizeram quilómetros, e peguei-te umas dezenas de metros ao colo para me armar em jovem porque tu te queixaste de um joelho para me armares em reumática, bebemos um vinho californiano que te deixou muito vermelha – só bebo um whisky pelo Natal – e sou eu que rio sem compostura e os circundantes entreolham-se e depois para os nossos treze graus e meio e condescendem finalmente quando reparam no brilho dos nossos olhos que não se largam. Já não me lembro do que comemos. As tuas pernas é que não se esqueceram dos danos que causaram ao meu tornozelo quando ele se insinuou por baixo da tua saia preta nova, a meio de um qualquer “steak au poivre” apertando-o de tal maneira que íamos pondo tudo a perder, inclusive o tal “steak” – picantíssimo dizes tu e rimos os dois de novo. Mas não pudemos fumar a cigarrilha e ainda bem: fomos dançar, andávamos há tanto tempo para dançar, as saudades que eu tenho de dançar contigo e dançamos a noite inteira com uma ternura imensa, sem ninguém à volta, o mundo era nosso, os nossos corpos sem tino, desassossegados, e o deslumbramento de os teus beijos continuarem a saber o mesmo em Nova York. Não percas a fotografia. Preciso dela para o futuro.
Beijos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas olha que os "amuricanos" estão a chegar, e a probabilidade de se construir mais um mega casino, com direito a central park, não me parece assim tão remota!