quarta-feira, setembro 13, 2006

Quem sabe andar no tempo?

Confessei antes de partir, que ia ter saudades de acordar cedo e poder ir à lavandaria, ao sapateiro, ao banco, às fotografias e à Clínica antes de por fim, ir trabalhar. Com tempo ainda para passar pela Ramos e comer um croissant (bolo de brigadeiro só pela tarde), apesar do Sr. Carlos não estar lá para lhe dizer que vou ter saudades dos galões clarinhos com muita espuma e de fechar a loja com eles, na companhia da minha mana! O meu pai diz que não podemos ter saudades antes de partir, mas confessei que ao saber que o não volto a repetir por uns tempos me saltou um pouco mais alto o estômago. Vinha para aprender a amar outros cantos, que o coração é grande que chegue, mas confesso que tremo, agora ao pensar, que não estou aqui nem lá, e que não sei viajar para além de dentro de mim.
Eu cá tenho os meus lembretes, mas que dom tem o tempo de os arrumar a um canto e dispensa-los? Que dom tem o medo, de nos fazer recear ir, e depois, afinal, voltar? Que dom tem o tempo de nos cortar as raízes para podermos fazer casa, quieta, parada, no mesmo lugar, um lugar meu para ficar, e viver, e morrer?
Já confessei que estava farta de papel sem tinta, da vitrine sem moldura, e de saber que ela só existe porque estou aqui. Já confessei que aprendi finalmente a encarar a cidade, a tomar-lhe os contornos, a não me esconder, ainda que às vezes me doa tudo sem saber porquê.
Já me apeteceu voltar, para ver, porque tenho saudades, e fecho os olhos e vejo a ria, e o sol a alongar-se na praia, e me apetece começar outra vez, mesmo cansada desta viagem.
Já desisti de saber porquê. Já me bastou antecipar cada dia que ia acordar e pousar os pés na calçada com a minha vida, a minha, não emprestada, não fingida, não fugida. Para deitar os móveis na sala e comprar peixinhos vermelhos e lhes dar nome, cozinhar o jantar e chamar os amigos, e e não falar do futuro, nem do emprego, nem do escuro, poder abraçar, abarcar e dar abraços, ter espaço para correr na relva e ir andar de skate para o parque.
E agora? se já confessei, se já disse, se já me perdi, se não sei do meu bilhete de avião, "será que finda, será que ainda temos enredo? para tanto gosto, para tanto medo, para tanto susto? a vida é um doido brinquedo.."

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