segunda-feira, março 25, 2013

Elegia do amante

amante, s. 2 gén., pessoa que ama ou que se ama; namorado;  o que mantém relações sexuais com outrem que ama adj. 2 gén., que vive em concubinato. (Do lat. amante - "que ama, amante")


Chegou de mansinho, sem dares por ela, a desafiar-te as leis da física.
Sussurrou-te, de perto, palavras doces, cantando-te aos ouvidos.
Eras presa fácil, sabias tu, e ela adivinhava-te a cada esgar.
Calavas, engolias, de trago, mais um gole do teu vinho rubro e calavas, mais fundo, a alma que te torturava os sentidos todos.
E de mansinho, também, deixaste-a entrar. Primeiro um olhar de dentro dos olhos, depois um meio sorriso que se foi abrindo, lento, até lhe tocar na pele.
De repente, já eras dela, mais do que o teu coração queria, mais do que ela te pedia. E ela sabia.
Tão pouco e sabia-te tanto.
Sugou de ti o melhor para ela, amante de peito feito e armadura ao pescoço.
_ Poucos lá chegaram - dizia-te, timidamente, de sorriso fácil.
Como deixavas, agora, o ninho quente da solidão? Se já nem voar podias?
_ Sacode as penas e voa - soprava-te ela, de novo, em alvoroço.
_ Voa, já, que é tarde e o sol pousou novamente, sempre mais generoso...

Voa que a alma é mais leve que o ar que respiras. E isso ela ainda não sabe.
Que as amantes têm rédea solta, mas sempre a anseiam mais curta.
Enleias-te com seus olhos doces e ela embala-se, de menina, no teu colo, uma e outra vez, as que ela queira e as que tu deixares.
Mas não a atrapes numa gaiola de mulher, que ela não foge se a deixares aberta.
Ou foge tu, se a temes, enquanto é tempo, enquanto houver muralhas da China pelo meio.
E leva-a contigo encravada no peito, se a queres, que é assim o destino dela, o dos amantes.
Isso ela já sabe. Sempre soube. E tu também.



quarta-feira, março 20, 2013

A menina dança?

_ A menina dança?...All night long?
 [pausa]

Odeio a paixão. Incomodam-me as borboletas no estômago e a falta de chão por baixo dos pés.
Encanta-me o tango, o dos sentidos.
Sou pel' O AMOR.
A valsa é um casamento. Acerta-se o passo e dança-se.
O tango é sedução que é egoísta.
Macau é um salão de baile. Todos dão o seu pézinho de dança.
Aqui, como em Portugal, há os que insistem em aprender a valsa e há os que persistem...
O tango dança-se de olhares, de cheiros,  de sons, de sabores e a rematar entrelaça-se a perna na coxa alheia _ não é para quem quer e, em Macau, poucos são os que podem...

_ Se danço?
Cresci a ouvir a valsa, mas prefiro o tango.
A valsa aprende-se. O tango dança-se. All life long.
Dançamos?...


quarta-feira, março 13, 2013

Viver em Macau é como apanhar SIDA duas vezes



Nunca apanhei SIDA. Nunca precisei de me atirar de uma ponte para saber que deve doer e muito. Nem nunca snifei cocaína para imaginar que devo gostar e não é pouco.
Mas viver em Macau é isso. É como apanhar SIDA duas vezes. Primeiro estranha-se depois entranha-se e tem que se desentranhar à força para não criar crosta.
É um processo caótico de integração e desintegração permanentes, uma viagem de comboio numa rota, que ora ascende ora descende, à velocidade concêntrica da roleta russa.
Isto não é viver Macau, é viver EM Macau, o que é diferente. Cidade das Luzes, sem o ser. Disneylândia de adultos para vender. Gente que joga sem amanhã, suando sangue pela testa. Prostitutas esvaindo-se pelas paredes embaciadas e homens babando fétiches mais ou menos envergonhados.
Viver em Macau é como andar descalço no fio da navalha, é como espreitar o abismo de pernas pró ar.
E depois existimos nós, os portugueses que aqui estamos, mais ou menos a prazo há 500 anos. Conheço macaenses, chineses, portugueses das nova e velha guardas e sempre fui muito bem recebida por todos.
O que mais me custou, no início, não foi o verbo. Também não foi adaptar-me a uma realidade bem diferente da minha que já é multicultural. O que me assustou, aqui no Delta das Pérolas, não foram nem macaenses, nem chineses: foram os "nossos".
A nossa comunidade em Macau é que deixa muito a desejar, a começar pelo termo "comunidade" que nem sequer tem aplicação literal. Arrumamo-nos (ou arrumam-nos) em guetos, logo que chegamos e assim permanecemos como se fossemos sardinha enlatada. Há o gueto dos jornalistas, dos arquitectos, dos engenheiros, dos médicos, dos professores, dos "contactos", dos juristas, dos advogados, dos alternativos, etc., etc..
Conheci pessoas interessantes em quaisquer desses grupos e por isso os interroguei e me questionei acerca deste "apartheid intra-luso"... Nunca obtive resposta satisfatória nem esgares de preocupação, até porque a crítica estava ali à mão de semear e dava menos trabalho aos neurónios!
Viver em Macau é isso. É pormo-nos a jeito para sermos criticados, fazermos o que temos a fazer independentemente disso, bem sabendo que alguém, algures, por alguma razão, mais cedo ou mais tarde, nos vai “cair em cima”... E às vezes dói.
Viver em Macau é como apanhar SIDA duas vezes. Apanhas, proteges-te e “On Fait nos Jeux” até que alguém nos diga “Rien ne vas plus!”...
E depois começa uma nova madrugada, um novo dia e percorre-se tudo uma, outra e todas as vezes, de um lado pró outro em rodopio…
A verdade é que penso que este nosso "regresso" a Macau, além de ter um background obviamente histórico, serviria, supostamente, um outro propósito mais pragmático, dentro da lógica da Lei Básica – “um país, dois sistemas”. Mas não nos vejo neste papel, nem agora, nem nos tempos que se avizinham...
Vejo os recém-chegados ingleses, americanos, entre outros, os quais, pese embora o "interesseirismo", sempre se mantêm fiéis aos seus e à sua pátria. Nós negligenciamos o que é nosso, aqui como lá, sempre mais a torto que a direito.
Podemos ser milionários em experiência no que toca a leis, andaimes, jornais, bisturis e currículos escolares, mas a dar o exemplo somos, de facto, pobres... paupérrimos!
E é uma pena!....