quarta-feira, agosto 09, 2006

FILHOS DE UM DEUS MAIOR

Nasci num lar católico, educada docemente ao sabor da bruma dos valores tradicionais católico-apostólico-romanos. Baptizaram-me, engalanaram-me para a primeira comunhão, confessei-me ao menos uma vez por ano, assisti a “missa inteira nos domingos e dias de guarda” e, quando, enfim, me foi dado escolher, decidi-me: _“Rien ne vas plus, faites vos jeux”!
Ainda guardo - diria, até, religiosamente! - essa aula de filosofia...
Foi no meu 10.º ano do liceu e a “stôra” que, diga-se en passant, nem era grande filósofa, disparara sobre a turma um “Vocês costumam rezar?”...
Estava na charneira dos 16 anos e tinha começado, finalmente, a pensar pela minha própria cabeça com todas essas limitações inerentes à condição de “adolescente inconsciente”...Lembro-me bem do sentimento de vergonha, por ter sido a única de dedo no ar no meio de 30 alunos! E não foi para ser diferente, pelo contrário, foi precisamente por ter como dado adquirido que todos rezavam, assim como eu, sem grandes dúvidas existenciais...
De repente, dei por mim rodeada de uma alcateia de pontos de interrogação ameaçadores e gritei para dentro: _“Eli, Eli, lamma sabacthani?[1]”...
Vira-me pela primeira vez nessa inabdicável dupla dimensão humana corpo & alma e percebera, sem saber bem como, o que significava philosophia...
Somos, na verdade, essa dualidade existencial e somo-lo, sobretudo, na medida em que nos desprendemos dos grilhões do corpus, para satisfazer esse apetite incontrolável de saborear para lá da “caverna” e contemplar essa infinita imensidão do spiritu...
Sei que encarreirei, a partir dali, numa auto-estrada infindável de perguntas sem resposta, que tenho vindo a percorrer, tentando, aqui e ali, parar nessas “estações de serviço” que nos vão aparecendo pelo caminho e que, de uma forma ou de outra, nos acalmam a sede, a fome ou o cansaço da viagem...
Saciando-me e dando-me a beber do sábio ensinamento de como mundos tão diferentes podem conviver harmoniosamente, o Oriente é uma dessas paragens... Comungando, creio, de uma outra Fé, muito superior aos pregões de uma qualquer Igreja tacanha, aqui aprende-se que muito mais do que irmãos, somos afinal filhos de um deus maior!

[1] Palavras, em hebreu, pronunciadas por Jesus Cristo, que significam: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? In S. Mateus, XXVII, 46; S. Marcos, XV, 34 - Bíblia católica, apostólica, romana.

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