segunda-feira, julho 24, 2006

LIBERDADE EM SEGUNDA MÃO

Por ter nascido no pós-25 de Abril, tive a sorte de ter crescido num contexto de liberdade plena, com tudo o que isso implica! Contudo, às vezes, ponho-me a pensar nessa circunstância, meramente fortuita, de ter nascido geográfico-histórico-culturalmente livre....
Consigo enumerar uma miríade de ideais, de valores, de princípios, que tenho como adquiridos, e que me foram dados de mão-beijada, assim...tão fácil, tão frágil, sem exigir qualquer tipo de peleja pessoal...
Chegada a esta terra de ninguém, aqui, bem longe do ninho, do cordão umbilical, das memórias de mim...Aqui, perdida e achada, deixei que essa liberdade tomasse de assalto os meus sentidos todos. Olhei para lá de mim e para dentro dos outros, senti o bafo inundar-me os poros de água salgada, ouvi os sussurros do Buda, saboreei o travo agri-doce desta mistela de gentes e culturas e deixei-me inebriar pelos perfumes do oriente....
Amareleci, sem querer, essas fotografias que fui acumulando pela vida e nasci de novo....livre, mais livre que nunca...ou não?
“Livre” porque me perdoo o lugar comum e a pretensão de achar que consegui, em consciência, procurar... E porque julgo ter descoberto, como dizia o Palma, “que a dependência é uma besta que dá cabo do desejo e a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo...”. Porque assumo que os meus actos têm incontornáveis consequências, que aprendi a aceitar, com a serenidade que me vem, aqui e ali, ombreando a idade!
“Ou não”, porque “vem-me à memória uma frase batida” - essa reincidente falta de profundidade do “ser livre”! Porque, se não sou escrava de preconceitos, de complexos, de grilhões deste tipo e não só, nunca saberei, a final, “o que custou essa liberdade”! Não fiz parte dessa luta, não engalanei nenhuma espingarda com cravos, nunca o golpe da censura feriu a minha pele...
Saberei, então, ser intrínseca e genuinamente livre como os que fizeram Abril? E a dúvida não se desfaz e é cíclica... Vou saber, um dia, ensinar aos meus filhos, o valor dessa liberdade, que herdei, já, em “segunda mão”?
E no fundo deste baú de cânfora, em que dou por mim a acumular novas fotografias, guardo já tanto e quase nada, que a cada dia que passa, me deparo com o cliché de só saber, ao fim e ao cabo, que nada sei...

2 comentários:

Anónimo disse...

A Liberdade, mais que um ideal, mais que um sentimento, deve ser um direito, assistido ou nao, adquirido antes ou nao...
Um direito pelo qual devemos sempre lutar, pois se nao se lutar no dia a dia por ele nunca se podera tornar no proprio respirar... que e na realidade aquilo que mais ambicionamos...
respirar livre...
quero eu, queres tu, querem eles, queremos todos... o mais dificil e que nao podemos ser livres sozinhos... a isso chamamos solidao...

Anónimo disse...

Vives, sim, vives porque nao morreste...
Mas a vida que vives e um sono
Em que indistintamente o teu ser veste
todos os sambenitos do abandono.
(...)
Dorme, que eu durmo, so de te saber
Presa da inquietacao que nao tem nome
E nem revolta ou ancia sabes ter
Nam dda esperanca sentes sede ou fome.
Fernando Pessoa in Elegia na Sombra