terça-feira, julho 18, 2006

DESTE VIVER AQUI...



“Como todos nós: não suspiro eu pelo mar português? Somos uma raça de saudosos do próprio umbigo, de amantes em diminutivo, fechados na nossa murmurante solidão: cada um de nós um búzio onde vêm ressoar os murmúrios domésticos e as vozes dos mortos e dos vivos que amamos.” *
É, sem dúvida, durante estes macaenses dias cinzentos e pesados - que são muito mais frequentes do que gostaria que fossem!! - que me assola um profundo sentimento de Saudade, em letras maiúsculas, composta por pequeninas saudades. Das saudades do céu azul límpido, do Tejo prateado, do azul brilhante do mar, do cheiro a maresia, das esplanadas, das nuvens altas, do cheiro fresco da manhã, da luz. Daquela luz especial de que ouvia falar e que agora, sim, percebo! Essa luz intemporal que tantos viram, de que tantos já sentiram a falta, por dela estarem distantes uns por serem obrigados outros simplesmente por pertencerem a uma Nação de timídos aventureiros em busca sempre de algo... ainda que nem sempre eles próprios o saibam.
É nestes dias que tomo consciência da minha plena condição de emigrante a tantos, tantos kilómetros de distância! Que tomo consciência da própria distância em si, confesso.
Foi nos jogos da Selecção, que assisti, que me apercebi do quanto sentimos, eu incluída, que pertencemos àquele País. Por mais defeitos, críticas, e censuras que sejam a este dirigidas há sempre um apelo inexplicável, uma emoção, um orgulho pela nossa origem de lusitanos. Um soluço de emoção por ganhar, uma revolta triste por perder mas sempre temperada pelo orgulho de como se perdeu!
Mas é também nestes macaenses dias cinzentos e pesados, que me apercebo do quanto já estou em Macau. Do calor antes insuportável, da normalidade dos dez graus do ar- condicionado, do cheiro quente ao final do dia, do doce torpor que nos invade... e o sol começa, teimosamente, a romper entre as nuvens. Afinal, está sempre lá!!

*António Lobo Antunes in “D`este viver aqui neste papel descripto”

5 comentários:

Anónimo disse...

"As ilhas são lugares de solidão e nunca isso é tão nítido como quando partem os que apenas vieram de passagem e ficam no cais, a despedir-se, os que vão permanecer. Na hora da despedida, é quase sempre mais triste ficar do que partir (...)"
MST in Equador.

Carlos disse...

Parabéns pelo blogue.
Gostei do que li.
Gostei da atitude.
Gosto de vocês.
O melhor mesmo é nunca nos conhecermos.
Nunca saber quem vocês são.

Fazem-me também pensar na quantidade de coisas secretas à nossa volta. Essas coisas e pessoas pelas quais passamos, nas quais pegamos, com as quais falamos, sem nunca verdadeiramente dar por elas.
Obrigado.

Carlos disse...

Gosto do vosso blogue.
Gosto da vossa escrita.
Fazia falta.
Também porque me fez pensar em quantas vezes passamos pelas coisas e pelas pessoas, pegamos nelas e falamos com elas, sem de facto as ver.
Se calhar, ainda bem.
Não quero saber quem vocês são. Quero ler o que sentem e o que pensam. Faz-me falta: saber que há alguém por aí que sente e que pensa.
Independentemente de tudo.
Obrigado.

Anónimo disse...

"Foi um processo longo e difícil, como sempre o são as aproximações entre duas pessoas habituadas a estarem sózinhas. Primeiro parece fácil, é o coração que arrasta a cabeça, a vontade de ser feliz que cala as dúvidas e os medos. Mas depois é a cabeça que trava o coração, as pequenas coisas que parecem derrotar as grandes, um sufoco inexplicável que parece instalar-se onde dantes estava a intimidade. É preciso saber passar tudo isso e conseguir chegar mais além (...)"
MST in "A passagem"

Anónimo disse...

Ainda estou em Macau apesar de já não estar...
Ainda espero regressar um dia a essa pátria que escolhi, ficando longe desta onde nasci, porque:

«Por vezes, meus filhos, o melhor da pátria.

Por vezes, meus filhos, o melhor da pátria
é estarmos longe dela, para melhor a podermos
amar e odiar, para melhor nos esquecermos dela
enquanto a lembramos e desejamos. Como hei-de
explicar-vos isto de forma que não vos magoe
nem vos torne hostis à terra que vos deu nome,
e língua, e memória, e saudade?
Eu fui capitão das naus, navegante das mil estrelas,
da noite dos mares, e agora perco-me em terra,
alvoraçado pelos amores que não sei manter,
pelo desejo que não ouso confessar,
pelo medo que me amortalha a luz da voz.(Wenceslau de Moraes)»

Ana Isabel