Não sei como digerir o pó atulhado na garganta, não sei sequer como seguir sem esperar a mudança. Não sei aliviar esta dor, entreter o tédio dos dias que se sucedem. E acima de tudo não me apetece ser infeliz. Gostava de ter uma ideia brilhante, gostava que o coração desapertasse os nós e respirasse em calma pelo menos ar, pelo menos o azul. O discurso das coisas tristes. Evitado, hoje inevitável. Não me apetece o Pessoa, não me apetece a morte, quero a vida de volta, a minha vida de volta. Saltam as memórias, as palavras que já tinha esquecido, revejo em 8mm o sonho que persegui. O fim não me convence. Não quero esta tristeza na ponta da garganta, embrulhada na alma, não quero chorar e é tudo o que me apetece. Mas dias há que nem isso sei fazer. Parei. Fiquei suspensa neste melodrama que tu escreveste. Procuro desculpas, procuro qualquer outra coisa que me detenha antes de chegar a ti, um filme, uma praia, um plano, um outro qualquer plano em que me possa rever a táctica do coração. Pouco faz sentido.
O milho cresceu na janela, a linha permanece imóvel, a árvore não voltou a acenar, as papoilas sumiram. Esta janela multiplicada pelos dias divididos por mim. Os dias fartos destas paredes, deste pretexto de trabalho para poder existir. Aceito pacificamente, talvez pela primeira vez, esta minha ausência de raiz, a flor que volta à semente e quer nascer. Os dias. Somos tantos a desprezar os dias que nos magoam tanto, tanto, até nos tolherem os movimentos, fomos espancados pelas horas dos dias a mais, a menos, nunca os dias só. A inquietude do regresso aos dias do avesso.
O fantasma do que fui, o sentido que perdi, será que sei dizer?
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