segunda-feira, julho 17, 2006

CHINA À FLOR DA PELE

Só há pouco tempo vi “Brokeback Mountain” e, a propósito da polémica que a enevoou, baralharam-se-me alguns pré-conceitos...
Antes de mais, e logo à cabeça, não deixa de ter graça o facto de um tal argumento ter sido abraçado por um realizador chinês.
Depois, agrada-me esta “acha” lançada à fogueira, eternamente acesa, em torno da homossexualidade.
Ao mesmo tempo, confesso o meu espanto perante as vaias da comunidade gay, que tão mal recebeu o filme, quando, ao invés, o comum dos mortais heterossexuais, entusiasticamente, o aplaudiu!
Permito-me, pois, despretensiosamente, explanar algumas ideias que me assediam o espírito...
Primeiramente, e cinjindo-me à nacionalidade do realizador, oferecem-se-me, (repudiando, óbvia e previamente, quaisquer racismos ou xenofobias) dois considerandos:
Por um lado, já não tenho dúvidas de que a aventura chinesa da globalização começa a dar os seus frutos, e sumarentos! A despudorada tela de Ang Lee desvenda uma China que começa, de facto, a entrar-nos pelos poros adentro, e, graças a Buda, já não se basta com a competitividade imbatível nos têxteis!
Por outro lado, e pegando na circunstância de o realizador ser taiwanês, arrisco pensar que não será, certamente, inusitada a opção pelo tema, tendo em conta esse longo contexto histórico de “dessinização”, inerente ao insindicável “quid pro quo” Taiwan/Mainland.
Mas mais engraçado é constatar que, ao fim e ao cabo, a facilidade com que a China abraçou o capitalismo à escala mundial, não reflecte, afinal, um plano estratégica e minuciosamente montado, como poderia presumir-se...
Com efeito, vimos, pari pasu, assistindo a um fenómeno crescente de consequências imprevistas, derivadas desse abraço global, perante as quais demonstram os chineses “verem-se gregos!”
E estou concretamente a recordar duas notícias publicadas em jornais autóctones - uma acerca de um indivíduo chinês que, tendo decidido fazer uma festa gay em sua casa, promoveu o evento através da internet, sujeitando os convidados virtuais ao pagamento da módica quantia de 50 renminbis, vindo a ser condenado pelo crime de “promoção à promiscuidade”!; A outra, anunciando a proibição, pela China, da exibição do filme “Piratas nas Caraíbas II”, por conter cenas de canibalismo (não vão os chineses ter ideias, logo eles, tão famosos pela boa boca!!!).
Pois que, a meu ver, caricaturam tais casos (cada vez menos inéditos....) as “botas” que, num “país do meio” ditatorial, sempre foram fácil e necessariamente “descalçadas”...
Esta, a inesperada realidade comunista-capitalista, inerente à condição de uma China que se auto-proclama cada vez mais global. Este, o retrato hodierno de uma cultura milenar, a cada dia, mais acicatada pelas “esporas” ocidentais...
Ademais, e para voltar ao filme, impossível se vislumbra, na minha opinião, ficar indiferente a uma tal abordagem da homossexualidade. Sim, porque, quanto a mim, a novidade desta relação gay, assim retratada, reside na dimensão, afinal, tão banal e descomplexada, de uma simples história de amor, com tudo o que isso implica de intemporal e universal e, até, de lamechas...
Quantos de nós, e reitero, comuns heterossexuais, imaginariam um desenho da homossexualidade com esta mestria de traço e tamanha riqueza de matizes? Quantos de nós perderiam de vista o óbvio, lá bem longe da promiscuidade e do tabu?
E posto isto, nestes termos, vá lá a gente, ignorante, perceber (eu incluída evidentemente) porque foi o filme tão mal recebido pelos homossexuais!...O que vêem eles que não vislumbramos nós?
Tendo como pano de fundo as críticas que tive oportunidade de ler na net, o dedo é apontado, em termos gerais, e resumidamente, à ridicularização da relação gay, por um lado, por ter sido eleito o cowboy para protagonista – efemerizando-se esse eterno mito da masculinidade -; por outro, por ser aquela relação retratada à imagem e semelhança de um romance homem/mulher.
Ou seja, dizem eles, e com toda a legitimidade que se lhes deve, que se subentende uma sensibilidade quase feminina num dos personagens, directamente oposta a uma masculinidade agressiva (essa, que popularmente caracteriza o cowboy) e que esta contraposição, não só, nem sempre se verifica, como, na realidade, não logra representar aquilo que encerra o verdadeiro sentimento gay.
Portanto, cheira-me que essa tão recorrente ideia hetero do “activo vs. passivo” já era...pior, não tem nada a ver, pelos vistos, com a vivência homossexual!!!
Ofereço, pois, a outra face a Ang Lee, que, sim senhor, tem mão pesada! E com peso suficiente para abanar, em simultâneo, as duas comunidades, homo e heterosexual!
E que sirva a nacionalidade chinesa do realizador, ao menos, para nos oferecer uma antevisão mais optimista, do que a dos “velhos do Restelo” anti-globalização...
Concedo-me, pois, adivinhar, neste contexto, em que também o “modus cogitandi” se pretende cada vez mais global, um futuro menos pesado, que não nos sobrecarregará somente de fardos negativos...
Assim seja, a bem da Humanidade!

1 comentário:

Nic disse...

Uma pequena correccao: a nacionalidade do Ang Lee nao e' Chinesa, nas sim Taiwanense.
Com a leitura deste post, deu-me a entender que considera Taiwan, parte integrante da China. Os Taiwanenses no geral, consideram-se Taiwanenses com uma identidade distinta da China. E' como por exemplo referir Cesaria Evora de nacionalidade Portuguesa porque nasceu em Cabo Verde.
Nao me pareceu que o filme em questao fosse mal recebido por nenhuma comunidade e tao pouco pela referida "comunidade homossexual". o que me leva a fazer outra pergunta, quem representa e onde se situa essa comunidade? sera' correcto utilizar esse termo?
quanto 'a China adoptar o capitalismo sem mudancas radicais de cultura e linhas de pensamento, e' obvio que por agora existem as barreiras (cultura, mentalidade e sistema politico) mas estas acabaram por ser derrubadas, ou melhor enfraquecidas com o tempo, muito tempo!

O mundo tende para uma homogenizacao, devido 'as enormes pressoes ocidentais... e por isso um dia tera' a China e o restante planeta (se ele se aguentar e os extremistas resistentes perderem a batalha) todo ocidentalizado, a beberem star-bucks e a comerem Mc Donalds e a pensarem em unisono politicamente correcto!