quarta-feira, outubro 14, 2009

CIRCO DE FERAS


Defender animais no circo não é fácil. O que devolve tudo às origens de uma boa discussão - o espaço de liberdade entre aqueles que querem e os que rejeitam

«A Associação Europeia de Circos quer processar o Estado português. Faz bem. A aplicação (ainda que bem intencionada) da directiva europeia que impede a criação e reprodução de animais em cativeiro viola outros direitos. Não é fácil defender a ideia que se segue, e o circo com animais em particular, mas vamos por partes.
Primeiro: esta história que agora rebenta em Portugal tem na base uma directiva europeia que não faz pontaria aos circos em particular. O que essa decisão comunitária quer impedir é a criação e a reprodução de animais em cativeiro. Parece sensato, sobretudo quando abre excepção aos jardins zoológicos e instituições científicas. A directiva atinge os circos porque estes são clientes dessas instituições (ou empresas) que vendem animais amestrados - sejam leões que saltam rodas de fogo ou elefantes que dançam ao som da valsa. De todos os países europeus, apenas a Áustria (em 2005) aplicou a directiva - e logo a associação europeia de circos abriu uma frente de batalha para incluir os circos na lista de excepções. O provedor europeu deu razão à gente do circo, mas logo as ligas de protecção dos animais combateram a decisão. E assim se chega a Portugal, onde se percebe que a lei não ataca os circos mas anuncia-lhes o fim. Isto é, se não podem criar animais ou comprar a quem os cria - nem permitir que os que detêm se reproduzam - os espectáculos com animais terminam. E então? O Cirque du Soleil, estudado hoje em universidades de gestão, mostra bem como o espectáculo pode viver sem animais. Pode. Mas o sucesso de um modelo de circo não deve ameaçar a existência de outros. Complicado?
Segundo: o circo com animais é um negócio que, em 2007, gerou 287 mil espectadores. Menos 11 mil do que as corridas de toiros, por exemplo. Ou mais 87 mil do que um espectáculo de dança moderna. Em euros, rendeu 800 mil e gerou cerca de 100 empregos por cada circo. Isto para dizer: não é aquela coisa pelintra que alguns supõem. Tem mesmo bons exemplos de gestão, como sucede com Victor Hugo Cardinali, proprietário do Circo Cardinali. Paga bem aos seus artistas (cerca de 400 euros por dia!). Pelo que sobra o essencial: protecção dos animais. Terceiro: a melhor forma de tomar posição sobre estes assuntos é explicar que a liberdade só deve ser travada quando interfere com a liberdade de outros - mas aqui entra a argumentação dos activistas animais: viola a destes. Também é fraco o argumento de que se criam e abatem animais para comer. Isso, dizem, cumpre funções de sobrevivência. Sucede que a lista de bens necessários à vida não se resume aos de sobrevivência - existem milhares de pessoas que nunca terão a oportunidade de experimentar a coragem de um domador, ou olhar de perto um leão em acção, se não forem ao circo. Pouco? Talvez. Mas quem ama o circo, e conhece a sua gente, sabe que por lá não se violam direitos de animais. Gere-se um negócio pelo qual outros estão dispostos a pagar. Também a droga, argumenta- -se. Pois. O que devolve tudo ao início - não é simples defender animais no circo. O que é simples é dar uma opinião. A minha? Mantenha-se. Não há espectáculo mais bonito do que um bom número de circo!»
Martim Avillez Figueiredo in Jornal i, http://www.ionline.pt/conteudo/27804-que-grande-circo

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